quinta-feira, 14 de maio de 2009

Judiciário deve se posicionar sobre uso de informações privilegiadas

A primeira denúncia feita no Brasil por uso de informações privilegiadas foi apresentada à Justiça na última quarta-feira (6/5) e, se o assunto é novo e traz uma série de questionamentos, a necessidade do Judiciário se posicionar concretamente é fundamental. Essa é a opinião do procurador Rodrigo de Grandis, responsável pela acusação contra ex-executivos do banco ABN-Amro e da Sadia.

“Por ser um crime complexo do ponto vista de suas peculiaridades jurídicas, a decisão do magistrado é importante para que possamos analisar como o juiz entendeu a prática do crime, e, eventualmente discordando, oferecer algum recurso” afirma o procurador, em entrevista a Última Instância.

A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal em São Paulo afirma que os ex-executivos lucraram na Bolsa de Valores de Nova York mediante o uso de informações privilegiadas obtidas em São Paulo com relação à oferta da Sadia pelo controle acionário da concorrente Perdigão, em julho de 2006. A acusação ainda não foi recebida pela Justiça.

Para de Grandis, o uso de informações privilegiadas —o chamado insider trading— é um crime relativamente novo, apesar de ter sido introduzido na legislação brasileira em 2001 por meio de alterações na Lei 6.385, de 1976. Segundo o procurador, que também é responsável pelo inquérito da operação Satiagraha da Polícia Federal, existem várias questões doutrinárias que certamente devem ser analisadas pelo Poder Judiciário.

Rodrigo de Grandis afirma ainda que o mais importante desse caso é firmar “a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes previstos na lei de mercado de capitais”. Segundo ele, é preciso reprimir o uso de informação privilegiada não só no âmbito administrativo, mas também criminal.

A apuração de crimes financeiros, de acordo com o procurador, é complexa. Sem testemunhas, eles são cometidos dentro de escritórios, por telefone ou Internet. “São crimes que possuem uma escassa visibilidade, ao contrário de um crime de roubo, por exemplo, que normalmente é praticado no meio da rua”, compara.

A denúncia oferecida nesses casos é fruto da cooperação entre o MPF e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários). O procurador ressalta a importância do

órgão fiscalizador no processo da investigação. Ele pediu que a Comissão seja notificada para avaliar se deseja participar do processo contra os ex-executivos da Sadia como assistente de acusação.

O procurador-chefe da Procuradoria Federal especializada junto a CVM, Alexandre Pinheiro dos Santos, está apenas aguardando a denúncia do caso ser aceita pela Justiça e já definiu que irá, se convocada, participar do processo como assistente.

Controle

De acordo com o artigo 11 da Lei 6.385/1976, as penalidades para os crimes do âmbito do mercado de valores mobiliários vão de advertências até a inabilitação temporária por até 20 anos passando por multas.

Alexandre explica que o controle da CVM é realizado diariamente e, em tempo real, o órgão conta com um sistema eletrônico de controles e filtros que permitem avaliar se existem oscilações atípicas que mereçam atenção maior. De acordo com o procurador da CVM, caso seja identificado o crime, ele é rapidamente comunicado ao MPF.

O MPF e a CVM firmaram um acordo de cooperação técnica em 8 de maio de 2008, que tem como objetivo agilizar e efetivar as ações de prevenção, investigação e repressão a práticas lesivas ao mercado de capitais e promover o intercâmbio e a colaboração das duas instituições no âmbito de suas atuações.

Ele afirma que a atuação em conjunto da CVM e do MPF começou antes do acordo, em 2007, em um caso de insider trading envolvendo o grupo Ipiranga, que tramita sob segredo de Justiça.

Santos explica que além das atuações extraordinárias, existem hoje muitas reuniões para a troca de impressões sobre questões de rotina.

Quanto ao caso do grupo Ipiranga, envolvendo as empresas Braskem, Ultra e Petrobras, Alexandre Pinheiro dos Santos explica que em apenas dois dias foi obtiveram o bloqueio judicial de ativos de possíveis envolvidos com o uso indevido de informação privilegiada.

O MPF e a CVM ajuizaram uma ação civil pública para buscar o ressarcimento dos investidores no mercado, fundamentado na Lei 7.913/89, que prevê uma comunicação entre a CVM e o MP para ajuizar uma ação civil pública em defesa dos interesses dos investidores. Segundo Pinheiro dos Santos, até o momento, o Judiciário não reformou nenhuma das decisões de bloqueio obtidas.

Internacional

De acordo com a CVM, o caso dos ex-executivos da Sadia e ABN-Amro foi detectado e punido administrativamente primeiro pela SEC (Securities and Exchange Comission), órgão que exerce papel regulador e fiscalizador nos Estados Unidos e tem um acordo de cooperação técnica firmado com o Brasil.

O procurador da CVM explica que a SEC aplica “penas mais leves”. Quando o caso é mais grave, precisa ir ao Poder Judiciário para afastar ou inabilitar uma empresa ou uma pessoa qualquer, diferentemente da CVM, que o faz no âmbito administrativo.

O Brasil é integrante do comitê técnico da Iosco (International Organization of Securities Commissions), ou Organização Internacional das Comissões de Valores, que tem por objetivo a troca de informações, e dessa forma, proteção do investidor, assegurando mercados eficientes e transparentes.

Para Alexandre Pinheiro dos Santos, o Brasil caminha bem. Desde 2006, a CVM julgou 11 casos de possível insider trading. Em comparação, a Grã Bretanha, onde a lei do crime de insider existe desde 2000, teve sua primeira condenação em março de 2009.

FONTE: ÚLTIMA INSTÂNCIA

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